quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

VOADORA

Recebo, como todo mundo, inúmeros e-mails pegajosos sobre amizade e amor. Quase todos de péssimo gosto e enjoativamente pungentes. Geralmente maculam e invertem o objetivo básico a que se propoem de lembrar-nos de nossos instintos e necessidades primordiais. Não consigo "entrar no clima" e me autoflagelar por não conversar mais vezes com meus amigos, dizer-lhes o quanto os amo ou como sinto orgulho de tê-los por perto. Massifica-se mais uma vez um sentimento nobre, puro, especial para quem o experimenta. Amigos são os luxos mais socialmente justos que eu posso pensar. São caríssimos e qualquer molambo pode ter. Aliás, Deus existe, são muito mais comuns e leais entre os menos favorecidos pela sorte pecuniária. O dinheiro é tão traiçoeiramente venenoso que corrói lentamente as correntes de qualquer amizade. Exacerba e expõe a indecência de nossa mesquinharia, de nossa torpeza moral, afastando-nos de valores e princípios que se opoem ao seu ganho desenfreado. Abraham Lincoln é um de meus ídolos, entre outras coisas, pela frase : "O dinheiro é um excelente empregado, mas um péssimo patrão."


Tenho poucos amigos. Ao menos como considero amigos. Existe grande diferença entre convívio social e amizade. Sou avesso a badalações sociais para desespero supremo da patroa. Posso ser facilmente confundido com algum primo distante do Urtigão e já fui insistentemente caracterizado como um ogro anti-social, um Shrek pequeno-burguês contemporâneo. Não sou malcriado ou agressivo ou inadequado, no entanto. Tenho convívio social profissional intenso, o que talvez já me baste. Gosto de jogar conversa fora sem compromisso, mas em doses homeopáticas e seleção cuidadosa dos participantes. Nada mais chato do que ir a qualquer situação social e ter que aturar pessoas inadequadas que nos usam para fazer terapia contando vantagens, mentiras ou que fingem nos apreciar. Acreditem, apesar de toda a minha ogrice, passo por isso mais vezes do que gostaria...


Amizade passa muito pela afinidade. Não precisa tanto de muita convivência, mas muito de empatia. Por motivos vários, converso esporadicamente com meus amigos. Fico sem ver alguns por anos até. Mas é extraordinária a sensação que sinto quando, após anos sem se ver, conversamos como se tivéssemos estado sempre juntos. Como se o tempo nunca tivesse passado. A vida passou, as coisas mudaram, separações, empregos, cidades, filhos, cabelos brancos, flacidez, artrites. Mas ali, dentro de nós, algo que nem nome tem, um elo de ligação metafísico, uma conjunção espiritual de toda uma sequencia de fatos vividos juntos, aflora espontânea e abundante, dando-nos a certeza de que nossa amizade, essa amizade que eu prezo, é atemporal, arraigada, teimosa, poderosa, extremamente compensadora e prazerosa. Poucos, mas bons. Esporádicos, mas valiosos.


Como eu li num desses e-mails : "Amigo não é o cara que te aparta de uma briga, é aquele que chega dando uma voadora..."