segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

PRESTANDO CONTAS PRA MIM MESMO

E a princesa casou-se com o plebeu e foram felizes para sempre. Bem, não foi tão simples assim. Começaram, de comum acordo, uma vida mais para plebeia do que para realeza. Terminaram os estudos, sonharam alto. Uma casa, um emprego na cidade natal, um herdeiro. Todos foram atendidos ao mesmo tempo. Casa simples com história, jardim na frente, trabalho seguro para ambos, a tão esperada gravidez. Sonhos realizados com tamanha generosidade que até assustava. Até conseguiram guardar algumas economias. Quando o pequeno príncipe nasceu, porém, a princesa adoeceu. No começo, apenas cuidados e confiança. Mas não se mostraram suficientes. Em algum momento mais tardio a lógica se perdeu, o céu escureceu e o imprevisível tomou conta. Cuidados mais complexos. E mais custosos. O plebeu confabulou com o rei. Generoso, ele foi taxativo. Conhecendo o orgulho do genro, pediu: se você não se opuser, tomo conta daqui para a frente. Não era momento para orgulho. O plebeu saiu de lado, confuso e desorientado. A princesa então foi levada numa correnteza de procedimentos, avaliações, testas franzidas, medicações agressivas. Sem a menor restrição de custos. Mas Deus não se vende para o progresso e zomba do poder dos vivos. A doce princesa foi chamada e deixou todos, principalmente o plebeu, completamente boquiabertos, atônitos, segurando uma coisinha miúda e roliça, sua herança para este mundo. Durante um bom tempo o sentido da vida do plebeu se resumiria em ficar com seu filho. Parou com o trabalho, aceitou o convite para morar no palácio, sua casa já não lhe servia. Ofereceu suas economias ao rei para pagamento das despesas, ficaria apenas com alguma reserva para não ter a humilhação de pedir emprestado. Não que fosse suficiente para cobrir o custo real, mas o faria sentir-se melhor. Afinal ela também tinha sido responsável pelo que tinham guardado. O rei, novamente generoso, recusou e, mediante a divergência, sugeriu que se guardasse para o futuro da criança. Sugestão aceita, o tempo passou. Após alguns meses o plebeu sentiu que precisava retomar sua dignidade. Sentiu que, apesar da tristeza que deixaria principalmente na rainha, deveria morar apartado com seu rebento. Nova argumentação e nova solução através da doação, ao príncipe, de uma casa muito velha logo nas redondezas do palácio, com a promessa do plebeu de levantar uma pequena casa para os dois. Os outros herdeiros do rei receberiam, equanimemente, um bem equivalente. Durante a construção desta casa, a vida foi acontecendo. O plebeu conseguiu terminá-la após quase cinco anos, em virtude de dificuldades econômicas do reino. Uma reviravolta nas finanças o obrigou a encontrar trabalho longe dali, levando o pequeno com ele. Mantinha-se sempre em contato com os soberanos, cultivando o amor recíproco entre eles. Quando a casa ficou pronta, o quadro já era muito diferente. Uma vida nova se desenhava, uma nova vida para os dois, apesar da resistência de ambos. Uma nova vida que surgiu do cansaço de ser triste, da humildade de se reconhecer frágil, da compreensão de nossa pouca significância. Uma nova vida para dar forma e sentido ao novo plebeu. O antigo já se desintegrara, exausto. Para completar a nova ruptura, a rainha-mãe, eixo emocional daquela família, também vai embora. Ainda teve tempo de conhecer a nova vida deles, o novo horizonte que se delineava para seu neto querido. Ainda teve tempo de aceitar e dar sua benção.

A casa então ficou pronta, mas nunca se prestou ao seu objetivo principal. O novo plebeu encontrou uma linda plebeia e tiveram duas lindas plebeinhas por dote, mas princesas por merecimento. Moldou-se então a situação bizarra. O príncipe, agora possuidor do dote real diretamente da rainha na falta da princesa-mãe, vivendo com sua família plebeia. Muito mais dinheiro do que o plebeu e a plebeia jamais teriam. Optou-se por deixar tudo guardado no tesouro real, a cargo do rei. Restou uma casa sem uso prático, dele por lei, parcialmente do plebeu por ter arcado com o custo da obra, e uma pensão governamental que o emprego da princesa permitiu ao filho, sob a gerência do plebeu. Alugaram a casa e viveriam todos com o sustento disso mais os frutos do trabalho do plebeu e da plebeia.
Simples ? Resolvido ? Quem concorda e quem discorda ?

Bom, para o plebeu isso nunca se resolveu em sua cabeça complicada e obcecada por justiça. Durante todo o desenrolar daquela situação uma nova família foi formada, e, diga-se a bem da verdade, nunca nenhum dos integrantes, inclusive o pequeno príncipe, questionou uma vírgula do que estava acontecendo. Mas o plebeu frequentemente se cobrava : todos são meus filhos e quero ter o orgulho de criá-los com o padrão que EU conseguir. Mas como encaixar o gasto com as obras da casa que ele acabou, por lei, dando apenas para o filho? Não teria que dar o mesmo tanto para cada uma das filhas? Naquele momento não havia possibilidade. Pegou então aquele dinheiro dado ao rei como paga pelos custos da doença da princesa e que, conforme combinado, tinha sido guardado, e tomou para si. A casa, então, tornou-se de fato e de direito do príncipe. Continuou, entretanto, usando e usufruindo do aluguel e depois utilizando-a para seu negócio sem pagar aluguel a ele. Correto? Errado? Somava-se a isso a pensão do garoto, que também entrava no bolo. Tudo era acrescentado aos rendimentos de ambos para os gastos da vida. Como uma pedra pontuda no sapato, isso espetava seu brio. Ora, então simplesmente deixe de usar os tais rendimentos e fique tranquilo com sua consciência. Mas não era tão fácil. Seu coração também teria que ouvir o outro lado. Além do fato que os valores, se excluídos, pesariam com alguma significância nas contas mensais de todos, incluído o príncipe, como relevar o fato de que os rendimentos da plebeia, modestos sim, mas reais, seria utilizado para beneficiar inclusive alguém muito mais rico do que ela ? Não posso negar a justa e possível ( mas que nunca ocorreu de fato ) reivindicação de estar guardando um pouco disto para sua lindas plebeinhas, tão lindas, mas ainda não resguardadas pela sorte. Como deixar de pensar no futuro delas ? E se eu faltar ? E se nós faltarmos ?

Talvez, um dia, alguém que estiver lendo estas linhas pense que a resposta seja evidente. Talvez a situação, por um lado tão cômoda, de ter um filho mais privilegiado que os outros não lhe confunda. Sorte sua. Eu não tenho ainda resposta para o casal plebeu e os filhos assimétricos.

P.S. - post antigo, anacrônico agora que todos são adultos e cujo teor nunca foi por ninguém questionado, pessoal como todo o resto. Deixo publicado para registro histórico.





















































ROBERTO CARLOS - meu pitaco na religião

Acabei de acordar novamente no meio da noite, após um sonho. Estava num lugar grande, um estúdio de música, e conversava com nada mais, nada menos que com Roberto Carlos, o cantor. Cidadão diferente da imensa maioria dos mortais, prova inequívoca de que esta vida não nos garante as mesmas oportunidades e experiências. Não o tinha, como pessoa, em tão alto conceito como o que alcançou com sua música. Mas conversava com ele sobre trivialidades. Confirmando minha opinião, nada muito interessante. Acrescento aqui, para melhor entendimento do contexto do sonho,  que havia acabado  de ler um livro fantástico de um autor holandês, médico de um asilo de pacientes terminais, filósofo também de formação, e responsável, entre outras coisas no local, pelo processo de eutanásia dos que se dispusessem e se enquadrassem nas regras determinadas. Chama-se "Dançando com a morte", de Bert Keizer. Falarei sobre ele em outra ocasião. Mas mostrou que a consciência do final pode nos trazer esse insight e forneceu elementos para o sonho. Voltando a ele, em determinado momento Roberto falou sobre a grande fixação dele - Deus. Qualquer coisa. Trivial. Rotineira. Clichê. Deve usar com frequência. Muito provavelmente acredita mesmo nisso. Foi quando, misturando livro, sonho e eu mesmo, me peguei falando um caminhão de coisas pra ele que agora sinto vontade de passar para a frente. Desabafei com volúpia conceitos que, já faz algum tempo, eu queria deixar escrito. Meu insight sobre religião. 

Comecei já detonando Deus. Conceito nebuloso, promessa sem garantia, placebo evangélico e desnecessário. Vida eterna, reencarnação, paraíso, recompensas. Um pouco de cultura e vontade de pensar e a coisa toda meio que desmorona. Fé ? Esconderijo oportuno para nossos medos e fraquezas. Para a imensa multidão que nada na correnteza da vida, projeto mais que suficiente. Tanto é que a religião, qualquer delas, deita e rola. Importante, sim. Necessária também. Mas totalmente romântica. Conto de fadas. Então eu não vou falar de Deus. Pra não ofender ninguém. Mas também  porque acreditar nisso exige demais do meu limitado cérebro. Torço pra Ele existir, olha aí a minha fraqueza também, mas não posso deixar de dizer minha verdade pessoal - não temos poder intelectual para  saber. E, em meu atual estágio, nem preciso.

Falei de que então ? Bom, daquilo que eu venho lapidando na minha cabeça. No cara chamado Jesus Cristo. Ou na figura que inventaram com esse nome. Não me interessa. Se ele existiu mesmo, se foi inventado por Constantino, se foi casado com Madalena, se foi ou não perfeito, se fez o pão multiplicar, não interessa para mim. Prefiro até acreditar que foi mesmo um cara normal, que os milagres foram invenção pra vender melhor o cristianismo. O que foi muito louco foi o que disseram que ele falou. O que está em pequenos trechos da Bíblia, que eu nunca li. Nem preciso, pois a gente ouve tanta gente citar tais passagens que nem precisa ir até a fonte. As pessoas falam da Bíblia como falam de Deus. Como se tudo que está escrito ali fosse verdade absoluta. Defendem cada palavra sem nenhuma certeza real de como ela chegou ali. Multidão nadando na superfície. Um livro enorme, chato na maioria dos trechos, mas que, para mim, se resume em algumas passagens emblemáticas e duas idéias centrais. Bondade e aceitação. São as duas atitudes que, a meu ver, te levarão ao ponto mais próximo de felicidade que esta vida poderá te proporcionar. Tudo depende de ser bom. Mas o que é ser bom ? Quem pergunta isso não entendeu o ponto. Ser bom é ser bom.  NÃO FAÇA A NINGUÉM O QUE NÃO QUISER QUE FAÇAM A VOCÊ.  Simples. Resume tudo. O pequeno problema é que é quase impossível. Tão simples e quase tão impossível. E onde entra a nossa humanidade ? A nossa ganância ? A nossa prepotência ? A nossa inveja ? A nossa ânsia de poder ? De prazer ? Do apego às nossas posses? Uma das coisas mais certas que Jesus disse foi: é mais fácil um camelo passar no buraco de uma agulha do que um rico encontrar a paz e a felicidade. Não se encontra a paz na defensiva de tentar manter sua posse. Rico é aquele que não tem e não precisa de nada ( CÃO DIÓGENES ). É muito mais fácil dividir o que se tem quando se tem pouco. Incrível e contraditório, mas real. Pobres dividem muito melhor que ricos. Penso sempre nos monges. Eles chegam perto, acho. Não na Igreja, vejam bem. Essa é outra história.

Temos também a aceitação. Quem consegue aceitar nossa real dimensão ? Somos pó, micróbios arrogantes, vulneráveis a partículas tão ínfimas que nos devíamos envergonhar - vide gripe suína, dengue, febre amarela. Não aceitamos doenças, não aceitamos dificuldades, não aceitamos os defeitos dos outros, não aceitamos nossas limitações. Não oferecemos a outra face. Bradamos por justiça com o pé na garganta do vizinho. Pedimos a Deus praticamente por tudo. Dinheiro, saúde, casa própria, emprego. Esbanjamos ansiedade, medo, revolta. Encontrei abrigo no estoicismo. Zenão, Sêneca, conceitos filosóficos de que a adversidade existe, sempre existiu e vai existir, o segredo é decidir como ela vai afetar você. A dor é inevitável, o sofrimento é opcional.

Jesus Cristo não foi o único. Minha formação ocidental e católica o deixou mais perto. Mas Maomé, Buda, Francisco de Assis, e, imagino, milhares ou milhões de desconhecidos no passar dos séculos, alcançaram o mesmo ponto. Muitos cidadãos mundanos, talvez em asilos ou hospitais, sacudidos e encurralados pela vida se esvaindo, também chegaram lá. Poucos, acredito, no burburinho da nossa rotina atual.

Roberto Carlos me serviu como bode expiatório. Coitado, pode ser até um cara legal. Mas entrou no meu sonho para simbolizar o rico da parábola de Jesus e ouvir meu sermão libertador. Você está muito longe da felicidade! Você chegou ao estágio que PARECE felicidade. Vida confortável, sucesso, fama, saúde. Mas está longe dela. Ao menos em meu desabafo onírico.

P.S. - post também antigo, finalizado agora.



































































D






















































A ÁRVORE DA VIDA

Gabriel Garcia Marquez, em seu livro "O amor nos tempos do cólera" dizia que o suicídio só se justifica quando for por amor. Como em qualquer pensamento literário, cada um interprete lá a sua maneira. Eu criei a minha. Nada a ver com as vias de fato. Tenho conceito bem formado a respeito dessa ideia. Não considero mais o suicídio uma opção válida em meu arsenal de ferramentas para uso na vida. Sinto-me à vontade para falar disso, já dei muito tempo meu em reflexões sobre o assunto e, principalmente, já estive lá. Não com a arma na mão, mas com a decisão feita. Desde então, após voltar atrás, formei meu conceito do que Marquez havia escrito. Nada de literalidade. O suicídio real é apenas uma fuga. Covarde. Arrogante. Burra. Indesculpável, mesmo que por amor. O cara que se mata é alguém que não entendeu nada. Acha que pode, que tem o poder. Acha que assim consegue se vingar de quem o machucou. Acha que a palavra final é dele. Se a reencarnação for realidade, e o cara tem que voltar tantas vezes quantas necessário para alcançar um grau mínimo de maturidade, o suicida não chega nem a entrar na fila. Volta nos calcanhares antes mesmo que o corpo esfrie. Começa tudo de novo, do zero. Merecidamente, diga-se.
Mas entendo o processo de elaboração de luto, que chamo de auto-suicídio. Você mata o seu eu anterior. Concordo com ele que deve acontecer apenas por amor. Ele não tem mais motivos para viver, já que só concebia a vida juntos.  Não há nenhum outro motivo de nobreza suficiente. Apenas pela perda de um grande amor. Aquele inexplicável por palavras, aquele que só quem vive sabe identificar. Se você se pergunta se está vivendo um grande amor, continue procurando. Quem está não precisa perguntar. Você sabe exatamente quando ele começou. Aquele momento quando sua vida anterior, suas ambições, planos, sonhos, deixaram de existir simplesmente porque foram sobrepujados, ultrapassados por algo mais. Não existirá mais eu, a partir de agora somos nós. Piegas sim, mas real para quem esteve lá. É na perda desse amor que Marquez aceita o suicídio, e eu entendo o auto suicídio. Quando perdido, perde-se o rumo. Corta-se as duas pernas em um só golpe. A queda é imediata, brutal, cruel. Não há opção para quem fica. Não há motivo que justifique a vida, não há graça mais nela. Temos que morrer junto. Aquele parceiro que ficou a ver navios não vai mais entender nem aceitar continuar vivendo. Deve morrer também. Ao menos em parte. Não deve morrer de todo. Isso seria fugir, seria querer ter o poder de decisão, é arrogante. Deve ficar um broto, uma muda de vida, que deverá ser cuidada, regada com infinita paciência e dedicação. Raquítica no começo, não se interessa por água ou comida. Quer morrer também. Mas não pode nem deve. Queira ou não, tem vida. E deve vivê-la. Outra planta, diferente, talvez transplantada até para outro lugar, se necessário. Mas vai viver. Precisa viver. Humildemente, aceitando essa vulnerabilidade existencial, ela vai descobrir que deve apreciar essa nova vida, com os mesmos princípios e valores que sempre usou para ser feliz antes. E, aos poucos, vai compreender que existem outras, várias vidas. Tantas quantas o responsável por essa experiencia o desejar. Vários caminhos que devem ser percorridos enquanto tivermos a oportunidade. E nos descobrimos nos auto suicidando em cada pequena mudança, em cada escolha. Morremos um pouco e nascemos do outro lado a cada nova encruzilhada. E, a cada nova decisão, aprendemos. Amadurecemos. E apreciamos cada vez mais as novas experiencias e choramos cada vez menos as perdas. Aprendemos a perder...

P.S. - post escrito há muito tempo, apenas finalizei agora. 

domingo, 11 de fevereiro de 2018

REVISTA CONTIGO

Viva!!  Após seis longos anos de inatividade e ausência, eis que me sinto novamente inspirado a  expressar minhas mazelas nestas páginas. Sempre motivado por conflitos que me são complicados na sustentação oral. Ergo frequente e exageradamente a voz, me perco na retórica e, muitas vezes, saio da linha principal com agressões verbais vulgares e desnecessárias. Péssimo advogado de tribunal, claro. Portanto, vamos tentar por aqui. Escrevendo e pensando cada palavra, uma por vez. Corrigindo o tom sempre que necessário.   
Revista Capricho, Contigo, Caras, etc. Dou este exemplo quando quero descrever aquele tipo de raciocínio desprezível e rasteiro da psicologia de boteco, das igrejas evangélicas e dos livros de auto ajuda barata,  quando são usadas duas expressões às quais abomino, que são "querer é poder" e "lute pelo seu amor". Ah, meu Deus, ai ai ai, quanta arrogância. Expressões que até podem ser entendidas em determinados contextos bastante específicos, quando talvez a letargia e a timidez estejam minando as chances do caso evoluir bem. Mas nunca podem ser usadas como leis gerais. Querer é poder me lembra a frase infeliz da Constituição Federal de 1.988 onde se lê : A saúde é direito de todos e dever do Estado. Ora, quem lê isso sem contexto, e praticamente todo mundo o faz, inclusive o Poder Judiciário, extrai a ideia de que o Estado vai lhe proporcionar obrigatoriamente tudo o que for necessário para sua saúde totalmente de graça. Ou não? Quem tem um mínimo de conhecimento da área, dos incríveis avanços tecnológicos mais recentes (eficazes ou não, diga-se de passagem), sabe que os custos são proibitivos para qualquer governo assumir completamente. É a base da enorme ineficiência atual do SUS,  obrigado a fornecer insumos e procedimentos extraordinariamente dispendiosos a quaisquer cidadãos que ingressarem com as medidas judiciais pertinentes (geralmente abastados o suficiente para conseguir com conhecimento e advogados especializados), enquanto milhares de pessoas mais necessitadas são privadas de tratamentos simples porque tais procedimentos são pessimamente remunerados e existem poucos abnegados que tenham interesse neles apenas pelo amor à arte. Querer é poder vai exatamente na mesma linha. Quero muito visitar a Lua. Quero cantar como Elis Regina, tocar violão como Almir Sater, ser rico como Bill Gates. Ora, mas o dito não pode ser entendido ao pé da letra. Bom, então não serve, deve ser mais específico, quem o vai usar é a plebe ignara, e ela vai entender ao pé da letra.
Chegamos então ao "lute por seu amor". A gente luta pela vida, pelo pão, pela saúde. Quem acha que tem que lutar pelo seu amor já o perdeu faz tempo... Na verdade, novamente o contexto, o ditado quase sempre está sendo usado para "lute pelo seu relacionamento, pelo seu namoro, pelo seu casamento..." Lute pela sua situação social, em outras palavras. Aí sim, podemos entender um pouco melhor. Fica mais real. Não deixe escapar seu contrato... Mas aí a coisa fica muito menos glamorosa.  Parece uma atitude de sobrevivência social. O que, de fato, é. Ninguém luta pelo amor. Amor é uma coisa que acontece, baseado em fatores tão diversos e imprevisíveis que seria muito tolo tentar mantê-los sob controle. Tentar controlar o celular, não deixar isso e aquilo, ficar seguindo, indagando, fazendo, enfim, o papel ridículo de alguém sem qualquer confiança de que seja a pessoa eleita pelo parceiro como aquela a quem ele escolheu para viver, só demonstra que ela realmente não tem as qualidades necessárias. Pelo menos para mim.
Ah, mas podemos cair em tentação, quanto mais pudermos evitar, menos teremos que chorar depois. Até concordo, nosso contrato social, no campo sexual, é bastante controverso. O homem, como espécie, tem no macho um predador que tende a espalhar sua genética para o maior número possível de fêmeas, como instinto de manutenção de um clã confiável e forte. As fêmeas procuram machos fortes para gerar e proteger sua prole. Instintivamente, portanto, a monogamia seria apenas feminina. Talvez assim o entendam os muçulmanos e os mórmons. Mas o contrato social da civilização ocidental através dos tempos sempre foi eminentemente monogâmico. Assim, quando formalizados os pares através do contrato de casamento ou, atualmente, união estável, os instintos masculinos deverão ser domados e dominados em prol da convivência harmônica do casal. Aí começa a bagunça. Não devo estar muito longe da verdade quando digo, baseado em observação pessoal, que a imensa maioria dos casais existentes em nossa sociedade, sobrevivem mais pelo contrato do que pelo amor. Nesse contexto, brecar o instinto se torna cada vez mais complicado. Em nosso mundo atual, onde a palavra, o fio do bigode, o compromisso e os princípios são, cada vez mais, conceitos etéreos, acadêmicos, onde o que vale mesmo é o hedonismo em sua forma mais vulgar, o prazer sexual masculino emerge como fonte inesgotável de experiencias e, consequentemente, de encrencas no lar. Apenas para piorar, a mulher atual, em sua rota recente de masculinização,  resolve deixar a posição passiva de se embelezar e esperar pacientemente atrair alguém supostamente melhor que seu parceiro atual, e começa a agir de maneira ativa, abordando com maior desenvoltura os possíveis candidatos. Daí, provavelmente e para completar a absoluta mediocridade da coisa, vem a atitude da parceira legal, indefesa e ameaçada, de "lutar pelo seu amor"... Ora, esse amor que cai nessa esparrela não é seu amor. Pode ser seu marido, seu namorado, seu "união estável" , mas não é seu amor. Reconheço que na maioria dos casos não é amor mesmo. Mas aí, a discussão é outra. Vale a pena ficar juntos apenas pelo contrato, pelos filhos, pela situação social? Cada um deve procurar sua resposta em si mesmo, em seu relacionamento. No caso de seu amor ser realmente seu amor, ele vai ser imune a tais investidas. Não porque ele não tenha vontade, lembrem-se do instinto... Mas porque, quem ama mesmo, já escolheu seu caminho. E, enquanto durar esse amor, esse caminho vai ser respeitado. Independe da atitude de terceiros. E, se esse caminho for desrespeitado, esquece, seu amor acabou. Fica o contrato e, novamente, você pode sim lutar por ele, mas é uma atitude puramente social. A meu ver, pobre e digna de pena. Tenho uma grande reserva com aqueles que tentam sustentar o insustentável, como se não tivessem capacidade para serem indivíduos, independentes e capazes. Uma união é feita de dois indivíduos, com princípios e limites, uma verdadeira simbiose e não de seres parasitas, que se não forem alimentados pelo outro perecem.
Chego aos cinquenta e nove anos em breve, e tenho algumas coisas das quais me orgulho. Convivo diariamente com a sociedade retratada nas linhas acima. Confesso que minha escolha foi mais difícil no começo, briguei um pouco para ser uma exceção (também posso estar enganado, muitos falam coisas que talvez nem façam, só para ficar bem nessa fita social hipócrita). Mas hoje, e já há muito tempo, sou tranquilo em relação à isso. Tanto por mim quanto por ela. Passei muito tempo achando que um dia aconteceria comigo, sou um eterno pessimista, quero sempre estar preparado para o pior. Mas nunca entrei nessa de tentar proibir, vigiar, controlar. Que sera sera... Mas gostaria que fosse recíproco. Afinal, não adianta nada...


P.S. - Ai, ai, depois de ficar animado e gastar massa cinzenta tentando retomar os posts, a gente lembra que tudo aquilo falado acima já foi dito, e de maneira muito mais bela e precisa, por um de nossos ídolos. Segue abaixo a obra prima....



Soneto de Fidelidade
Vinicius de Moraes

De tudo, ao meu amor serei atento antes,
E com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto,
E rir meu riso e derramar meu pranto
ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure
quem sabe a morte, angústia de quem vive
e quem sabe a solidão, fim de quem ama,

eu possa me dizer do amor (que tive):
que não seja imortal, posto que é chama
                 mas que seja infinito enquanto dure.