quinta-feira, 7 de maio de 2009

BEBÊ CHORÃO

Arthur Schopenhauer dizia que a vida é uma infindável sucessão de longos períodos de sofrimento em busca do desejo, e experiências curtas de prazer dos desejos que foram satisfeitos. A única forma de plenitude total desse desejo estava na Arte, mais especificamente na Música. A outra forma de se livrar deste redemoinho perverso de sofrimento estaria na abolição total do desejo, que seria o Nirvana. Beethoven considerava a música a linguagem de Deus. Monteiro Lobato escreveu, através da sábia Dona Benta em "História do mundo para as crianças", que a humanidade está apenas na sua infância e, como tal, ainda mostra inúmeros moleques de rua, maltrapilhos, valentões, malcriados e incultos, surrando impunemente os mais fracos, brigando entre si de faca e fazendo sua própria lei.

Já falei antes dos meus ídolos. Eis mais alguns deles. Falando coisas que eu gostaria de ter falado. Grandes sacadas. Vamos em frente. Temos então um mundo ainda generalizadamente primitivo com exceções pipocando por todo lado. Temos vida inteligente sim. Música é divino. E só mais uma coisa é divina. O amor. Palavra piegas que banalizou-se na tradução inadequada. Cresci pensando que amor era uma palavra usada apenas entre casais enamorados. Que vergonha dizer eu te amo em qualquer outra ocasião. Recentemente li que a tradução fiel do que Cristo tentou dizer com "amai o próximo como a ti mesmo" significava REALMENTE cuidar, proteger. Não fazer ao outro o que não quiser que seja feito a ti mesmo. Essa é a maior sacada de todas. Sozinha ela resolve tudo. Conserta tudo como por mágica. Pena que não seja fácil. E que todos estejam tão longe desse caminho.

Mas existem toneladas desse amor divino escondidas e fartamente disseminadas entre nós, no nosso dia a dia. Virtualmente todos os habitantes que passaram por este Planeta jovem e fervilhante já experimentaram dele. Pena que a imensa maioria muitas vezes nem se apercebe. Passamos grande parte da vida sem entendê-lo. Alguns felizardos conseguem acordar a tempo e curti-lo um pouco. As próprias donas do dito cujo às vezes não o compreendem. Sentem, passam, mas quase nem percebem. É o amor divino na sua forma mais primitiva, puro, angustiante, gratuito. Pode levar suas donas facilmente à loucura.

Quer saber onde encontrá-lo? Aqui vão algumas dicas :

1. Comece visitando um berçário. Entre no quarto quando for a hora de mamar. Olhe bem no semblante dela.
2. Esgueire-se sorrateiramente à noite na casa de qualquer bebê, observe-a perder o sono e levantar-se de madrugada apenas para ver se ele está respirando.
3. Acompanhe-a a um restaurante. Observe-a perder incontáveis refeições para dar de mamar ou niná-lo para fazê-lo parar de chorar.
4. Comece a ficar mais agressivo. Preste bem atenção no olhar dela quando uma pessoa de idade ou criança insiste em tentar segurar o bebê no colo.
5. Solte-a num shopping ou praia lotada e zombe do esforço hercúleo dela para não perdê-lo de vista.
6. Divirta-se um pouco. Tente brincar com ele tirando-lhe algum brinquedo ou ameaçando dar-lhe alguma coisa e recolhendo em seguida. Tente fazer as pazes com ela depois.
7. Diversão macabra : naquela praia ou shopping lotado, esconda o pivete por trinta minutos. Não tem quem a faça fazer as pazes com você depois disso.

Mas, pra bom entendedor, nada disso é preciso. Apenas olhe para qualquer mãe que observa seu filho, DE QUALQUER IDADE, dormindo. Aquilo é o amor mais puro que você irá encontrar nesta vida.

Este será o meu primeiro dia das mães sem a minha. Estou velho e nunca pensei que fosse chorar por isso. Ainda bem que estava enganado.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

A SENHORA DAS MOEDAS

Sinceramente, um rótulo injusto. Quando, há milhares de anos atrás, sua figura surgiu, no platô da curva da minha vida escancarada naquelas cartas de tarô espalhadas sobre a mesa, minha reação não podia ser mais automática : confirmava-se o descrédito que sempre tive em tais procedimentos esotéricos. Mesmo em presença da figura magra, suave e pálida da estudante de Medicina que havia atendido meu pedido a contragosto, explicando que sua habilidade havia sido ensinada por sua avó e que não tinha por hábito utilizá-la com estranhos, mesmo com ela continuando impassível o ritual de abrir as cartas vagarosamente sobre a mesa, não pude deixar de ficar momentaneamente desapontado. Eu estava totalmente embasbacado com o desenrolar do processo até então, quando minha vida tinha sido exposta, resumidamente é claro, mas de maneira inconfundível e clara pelas cartas anteriores. Incrível constatar o aparecimento da figura da Madona, protetora, conselheira, maternal, no limiar da minha vida adulta. Uma criança logo após. E o surgimento da carta negra, a Morte, na metade do platô adulto, me fez sofrer um baque considerável. Aquela estudante de Medicina estava mangando comigo... Não me conhecia quase, apenas um contato superficial recente, por pouquíssimo tempo. Ninguém lhe contara nada de mim, garantiu. Nem idéia de que eu atravessava a fase mais negra da minha ainda jovem vida naquele momento. Ainda assim, quem embaralhou e dispôs as cartas sobre a mesa fui eu mesmo. Aquela nova carta feminina, carta de cunho monetário, material, cheirando ambição e luxúria, certamente me provocou espanto. Não me via, naquele momento, propenso a qualquer ligação com tais atributos.

Hoje sou grato àquela estudante angelical que nunca mais vi. Aquela Senhora das Moedas me fez renascer e voltar à vida. Tinha sido expulso à revelia de uma vida maravilhosa, onde fui conduzido e moldado por mãos sábias e serenas através das intempéries, e estava boiando inerte por águas revoltas. Ela surgiu de repente, improvável, exuberante, paciente, projetando-me, de maneira lenta e inexorável, para uma nova vida de comunhão, parceria, energia e celebração. Nada de ambições fúteis ou ganância inconsequente, como o título poderia pressupor. Apenas uma vida simples e mundana, de busca incessante pelo prazer de viver em toda plenitude. Sem grandes elocubrações mentais, complicadas, maçantes, pesadas. "Keep it simple", divirta-se tanto no excesso como na falta, extraia da matéria apenas o que ela possa prover de felicidade. Ria bastante, da fartura e da desgraça, nunca perca a piada. Mantenha princípios morais sempre, felicidade não existe sem eles. Vivacidade, intensidade, esplendor, simpatia e beleza jamais foram tão bem personificadas. Sempre rainha, acostumada a todas as atenções em qualquer ambiente onde entra, nunca fez disso orgulho tolo. Seu sorriso derrete, seus olhos paralisam, seu brilho ofusca. Durante muito tempo estive incomodado de tê-la a meu lado, quem sou eu para estar com uma mulher tão linda! Longos anos se passaram de fiel e estóica persistência da parte dela até que eu me convencesse que lhe era merecedor. Nem sei se já estou completamente persuadido. Gerou-me duas filhas que a graça de Deus permitiu o quase impossível - melhorar a qualidade materna. Passa pelas dificuldades como se não existissem, raramente perde o bom humor, está sempre pronta para a vida. Em resumo, tudo o que eu precisava daquele momento em diante.

O tarô daquele dia me prometeu tudo isso até agora. Daqui por diante não está mais no trato. Nem senti muito o tempo passar. Deixo nas mãos do meu anjo da guarda. Afinal de contas, ele tem sido perfeito.