domingo, 21 de junho de 2009

LUMIERES

A inspiração para escrever minhas reflexões em forma de blog me foi dada por um de meus sobrinhos. Sujeito capaz, leitor voraz e eclético, tem seus pensamentos espalhados na net já há bem mais tempo. Numa produção muito mais profícua, quase diária mesmo, mistura observações, as mais sortidas, sobre o mundo atual, englobando economia, política e artes, com tocantes desabafos de algumas agruras pessoais, como todos temos. Corajosamente, como aquele que não tem o que temer. Cresce-me o orgulho e a admiração apenas por esse aspecto. Na maioria das vezes, entretanto, destila comentários flamejantes contra governos, instituições e figuras do mundo cosmopolita acrescidos de suas impressões pessoais sempre carregadas de entusiasmo. Não se pode dizer nunca que tenha ficado em cima do muro. Convicções fortes. Preferências marcadas. Quarenta anos antes e provavelmente estaria marchando ou atirando ovos de um lado para outro da Rua Maria Antonia como, reza a lenda, seus pais estiveram. Quem conhece a mãe sabe que ela deve ter ficado mais assistindo, porque correr dos guardas não seria possível. Genético? O interesse pelo saber com certeza. Confesso, no entanto, que meus parcos conhecimentos de atualidades , principalmente políticas, e a crescente falta de interesse em obtê-los, me permite pouquíssimos comentários em suas resenhas. Nenhuma falta faz, pois seus seguidores são inúmeros e fiéis. Mas gostaria de escrever algo a respeito de sua frustração, algo recente, esperando por um herdeiro que nunca vem. Não que eu tenha a solução, quem me dera. Sou, conforme já escrevi, partidário do ditado popular ( anônimo ? ) de se escrever um livro, plantar uma árvore e ter um filho para nos tornarmos completos. Nunca me havia passado pela cabeça a idéia de como seria se não me fosse dado esse privilégio. Sou, como todos os idiotas mortais humanos, pretensioso a ponto de nunca ter pensado seriamente nisso. Já que os tive até precocemente, e tantos são os que os tem até impunemente, poupei-me todo esse tempo de sofrer com a elaboração desta perda. Hoje, pensando em vocês (na sua princesa também, lógico), eu percebi que também teria magoado. Determinadas situações não admitem grandes frases de consolação, ou, pelo menos, não sou competente para arriscar. Ter filhos é um saco ? É, mas também é muito legal. Impossível negar que um casal como vocês seriam pais incomparáveis. Nem vou me meter a dar conselhos. Um sujeito esperto e sagaz como você vai perceber as possibilidades muito antes que eu. Torço apenas para que seja algo que possa ser consertado. Tanta coisa acontecendo nessa área atualmente. Se não, digo-lhe apenas onde me apoiaria, como já me apoiei em situação anterior. Nossa vida não é realmente nossa. Nos foi dada por alguém. Incrivelmente poderoso e, às vezes, incrivelmente cruel. Cabe a nós decidirmos o que fazer com ela. Venha do jeito que vier, temos que nos adaptar. Para o bem ou para o mal. Jogue-se do viaduto ou abra um sorriso e dê um grande beijo nessa mulher fantástica que aconteceu pra você, companheira de tantas aventuras, fiel, amorosa, e que vai aguentar firme o tranco se você aguentar também. Na minha vez eu sofri um tempo, mas resolvi aceitar que alguém manda mais do que eu. Levantei, chacoalhei a poeira e toquei o pau. Metade de mim ficou pra trás, aos pedaços. Mas a vida me deu novas partes e eu continuo indo. Existem milhares de filhos para serem cuidados nesse mundo, sob a forma de pacientes, seguidores de blog, amigos, parentes, mendigos, alunos, ou, porque não, crianças a serem acolhidas. Espere apenas o coração parar de doer. Não se faz nada sob pressão.



Para terminar, não para consolo, deixo algo que ocorreu num destes finais de semana.


Menina linda, dezenove anos, filha de médico em cidade do interior, segundo informações colhidas nunca deu problemas. Para alegria dos pais, passa no vestibular para medicina em outra cidade do interior. Muda-se para lá e, ainda segundo informações fidedignas, frequenta as aulas assiduamente, estudando e dedicando-se com afinco. Já há seis meses na escola, não vai para casa todos os finais de semana. Numa quinta à noite, seguindo a tradição de qualquer estudante universitária, vai com algumas amigas a uma festa numa chácara. Ainda seguindo a tradição, toma mais do que deve, hábito que parece estar cada vez mais arraigado na atual juventude. Pouca noção de limite, é o que se percebe. Começa a rolar na tal chácara uma parada nova, para mim até então desconhecida. Descobriram uma buzina de automóvel ( ou será de moto ? ) que, se destampada, expele uma pequena quantidade de gás com potencial alucinógeno. Quem diria, agora estão cheirando buzina de carro. A garota, talvez já meio alta, cai na bobagem, tão ingênua quanto traiçoeira, de ceder e experimentar. O efeito é imediato e ela desmaia. Os colegas, assustados, tentam reanimá-la e ela parece voltar um pouco a si. Estava viva. Atropeladamente colocaram-na num carro e voaram para chegar rapidamente ao hospital, dez quilômetros dali. Por infelicidade, a jovem estudante, ironicamente de medicina, já chegou sem vida. Todos aceitaram a tese da overdose. Mas, para desespero posterior, a autópsia revelou que ela não havia morrido pela droga. Durante o trajeto, na pressa explicável de se chegar logo ao hospital, ela tinha sido deitada no banco de trás do carro, cabeça para cima. Como tantos ébrios conhecidos, vomitou algo comido naquela festa. Por ação cruel da gravidade, associada a seu estado de torpor acentuado, não teve forças nem reflexo para virar de lado. Aspirou o conteúdo para as vias respiratórias e morreu silenciosamente por asfixia.


Não consigo imaginar porque um pai e uma mãe tenham que passar por isso. Não consigo e não quero me imaginar passando por isso. Sei que o chefe é poderoso e que temos que aceitar o que vier. Mas, algumas vezes, ele exagera.

domingo, 7 de junho de 2009

MEIO SÉCULO

É agora ou nunca. Talvez a maturidade nunca chegue para ninguém e ficar esperando pelo futuro seja apenas mais um dos engôdos dessa nossa existência misteriosa. Quanto tempo passado arrastando-se num trabalho monótono, levado apenas pela grana, assistindo-se o horror matinal diário do peso de ter que levantar e ter que fazer tanta coisa que você ABSOLUTAMENTE não tem vontade. Ter que isso, ter que aquilo. Cinquenta anos e você não é dono de seu nariz... Levanta, sai para trabalhar, passa o dia fora, geralmente submetido a agressões emocionais as mais variadas, vendendo sua alma para o DINHEIRO. Contanto que ele venha, quase qualquer coisa vale a pena. Será que é assim que deve ser ? Claro que voltar pra casa e ver uma família maravilhosa compensa muito. Se for mesmo preciso, que assim seja. Mas essa é a dúvida. Precisa ? Cadê o documento assinado por eles no qual consta que eles nos obrigam a fazer o que não gostamos apenas para satisfazermos as suas necessidades pessoais ? Será que eles não prefeririam ter menos, ser menos, apenas para, em troca, terem um pai presente, bem humorado e principalmente feliz ? E o tempo foi passando para mim, eu procrastinei voluntária e covardemente essa resposta por longos anos. Esperando a maturidade que nunca chega. E a vida se esvaindo por entre os dedos. Os cabelos brancos aparecendo. Os músculos se tornando flácidos. Subir a escada já não é tão tranquilo. Todos os dias ir dormir com esse dilema na cabeça. Até quando ? ATÉ QUANDO ??????

Daí minha mãe morreu. Subitamente, inesperadamente, imprevistamente. Ninguém me avisou . NINGUÉM ME AVISOU !!!!!!! Ninguém me avisa nada. E eu percebi que, daqui por diante, somos apenas nós. Minha geração anterior praticamente acabou. Meus pais se foram, agora eu sou o pai dos outros. Entrei na linha de tiro. Sou tronco. Ficar esperto. Tomar cuidado com o vento nas costas, com a osteoporose. Logo, logo, eu estarei frente a frente com o cara que me deu a chance de viver neste mundo e ele vai me perguntar : E aí, gostou ? Valeu a pena ? Aproveitou ? Entendeu o barato da coisa ? E eu vou titubear, dizer que sim, claro, foi maravilhoso. Mas ele não é besta. Quem fez um mundo destes não é besta. Não vou conseguir enganá-lo. Nem eu, nem a imensa maioria dos pobres mortais abobalhados nadando neste mesmo redemoinho. Ninguém entendeu nada. Ou melhor, acho que alguns poucos privilegiados chegaram perto. Mas estão escondidos. Por definição.

Minha ficha começou a cair. Não vou ainda cometer o exagero de apertar o botão de FODA-SE e manter travado. Mas vou mudar. CINQUENTA ANOS apertaram o gatilho. Mexer a bunda já mole. Mudar o trabalho, escrever meu blog, visitar e conversar com os mais velhos, ouvir suas histórias. Olhar para as pessoas. Parar com a pressa. Importar-me menos com o pouco importante. E principalmente ...........

ANDAR MAIS COM MINHA MULHER NA MOTO LEGAL QUE NÓS COMPRAMOS!!!!!!

sábado, 6 de junho de 2009

UM TURCO EM MINHA VIDA

Ele talvez seja um dos últimos ídolos com os quais tenho a honra de conviver ainda. Apesar disso, sempre que penso nele, pesa-me a culpa da minha inaceitável infrequencia. Todas as explicações mundanas não convencem nem a mim mesmo de que isso é normal. Sou traído pelo redemoinho dos compromissos banais, desperdiçando tempo demais com pessoas e coisas que não são tão importantes. Hoje, como várias outras vezes, acordei no meio da noite e de um sonho estranho. Com ele. Nem interessa muito o enredo, o importante é que eu estava lhe prestando uma homenagem, assistindo-lhe numa dificuldade, emprestando-lhe minha visão. Sim, porque ele não a tem mais. Golpe traiçoeiro e implacável de uma vida outrora tão benevolente, foi inacreditavelmente neutralizado por um espírito obstinado e rijo, revertido em exemplo de vida para outros simples mortais. Deus, com certeza, não esperava por essa. Um castigo tão penoso, tão acintosamente desprezado. Como se colocar o filho pequeno ajoelhado no milho por horas e o pequeno passar o tempo cantando ou brincando com os grãos. Muito frustrante, imagino, para o Criador.

Incrível como um sonho nos acorda duplamente. Decidi então, mais uma vez, escrever para purgar minhas falhas. Que a pena me liberte da culpa de não ter nascido para a simples tarefa de compartilhar sentimentos. Sou-lhe grato por tantas coisas. Começarei talvez pela mais importante. Ele gerou a pessoa que ocupou e modelou praticamente toda a primeira metade de minha vida. E que me tornou a pessoa que sou hoje. Não posso deixar de pensar que metade daqueles genes vieram desse filho de imigrantes libaneses, de infância difícil como a maioria deles. Conheci apenas sua mãe, mulher também exemplar, dócil, amorosa, sofrida. Veio de sua terra natal, prometida para o casamento, sem nunca ter visto o futuro marido. Evidente a origem da coragem e têmpera do filho. Por ingrata coincidência, meu primeiro compromisso "social"como namorado foi assistir ao enterro do velho pai/avô. Interessante cronologia. Ele os deixava, eu entrava. Criado então na dificuldade de um vilarejo pobre, sua trajetória é auto-explicativa. Estudou como nenhum dos filhos, contra tudo e todos, culminando com o curso de Direito na USP, retrato da excelência do resultado. Foi abençoado com uma esposa que o completou de maneira cabal. Teve filhos de quem sempre se orgulhou e para quem sempre viveu, sou memória e testemunha viva disso. Trabalhador incansável, por prazer e por destino. Causa de atritos episódicos, detestava ficar longe dele, fosse o lazer qualquer. Político e administrador de vocação intestina, sofreu as injustiças inexoráveis da imaturidade do sistema para com um espírito idealista. Foi um dos exemplares de uma linhagem de grandes homens, que começaram de muito embaixo, recebendo o bastão daquela geração maravilhosa de heróis que chegaram ao país com a roupa do corpo, filhos na mão, coração apertado e a cabeça rodando, mistura louca de medo e esperança. Que abriram o caminho a golpes de foice, sangue, vermes, casebres, febres e muita raça. Pegaram esse bastão e nos entregam em almofadas de veludo, automóveis, casas com piscinas, colégios caros, viagens, enfim coisas que me fazem até envergonhado. Como cobertura de tudo isso, bens e patrimonio que nunca mexemos um dedo para merecer e que às vezes penso não merecermos mesmo. E, acreditem ou não, muitas vezes são fruto de discórdia e desentendimentos por valores ou quinhões.

Como eu dizia sou-lhe grato por muitas coisas. Obrigado por ela. Obrigado pelo carinho de segundo pai que sempre foi para mim. Obrigado pelo esforço hercúleo de formar este patrimonio que hoje tranquiliza sobremaneira a vida de todos, principalmente seu neto. Obrigado pelo exemplo de tenacidade e força que considero impossível de reproduzir. Obrigado finalmente pelo exemplo de bondade, perdoando a ingratidão de quem lhe deve muito. Termino com uma pontinha de inveja de seu filho e de sua assistente/secretária/amiga de todas horas, que conseguem sentir bem menos culpa do que eu.