domingo, 10 de janeiro de 2010

VALEU A PENA ?

Uma das coisas que me incomoda nesta vida moderna é a quantidade de vezes que nos deparamos com a necessidade de presentear alguém. Durante um ano corrido, a civilização ocidental conhecida nos impinge inúmeras ocasiões nas quais somos compelidos a dar alguma coisa a alguém pela tradição, real ou provocada pela mídia social. Imagine quantas pessoas fazem parte do seu círculo social, próximo e não próximo. Natal, Dia das Mães, dos Pais, das crianças. E todo mundo faz aniversário. E, segundo os costumes, merecem ganhar alguma coisa por isso. Como antigamente ninguém tinha muita coisa, ficava fácil agradar à vítima. Lembro-me de ter ouvido falar de presentes interessantes como uma mala de viagem, guarda-chuva, óculos, uma cama nova, objetos de cozinha e costura, peças de roupas e ferramentas. Tudo agradava numa época em que tais coisas eram raras e caras. Relógios eram muito apreciados pelos que ainda não o tinham. Valia a pena o gasto. Era uma maneira de se dar algo que FALTAVA a alguém.
Hoje a coisa mudou muito. Tais objetos não são considerados presentes, são como obrigações. Neste mundo atual, tornou-se obsoleta a ideia de que alguém, em nosso meio, não tenha um relógio, uma mala, qualquer peça de roupa. Ninguém PRECISA mesmo de nada. Entrou em jogo a alternativa, para mim odiosa, da QUANTIDADE, das cores e dos modelos. Variar para agradar. Ou então entrar na dança dos cds, dvds, livros. Quantos cds e dvds você tem? Quantas vezes você já ouviu cada um deles, se é que já ouviu alguma vez? Se já, então não leu os livros. Se já também, parabéns. Você é provavelmente um dos meus ídolos que conseguiu se virar na vida sem ter que trabalhar muito. De qualquer maneira, como eu detesto jogar dinheiro fora, já que detesto ter que ganhá-lo, considero um enorme incômodo a obrigação social de comprar alguma coisa para alguém, sabendo que existe uma chance estatisticamente significativa de que esta pessoa não precise daquilo, já a tenha, ou que não vai lhe ser de utilidade. Provavelmente vai acabar na mão de algum outro incauto na próxima oportunidade. Perco meu tempo tentando ser original e acabo me irritando ou desistindo. Podem me chamar, como vários o fazem, de muquirana, mas eu sei que gosto muito da sensação de dar algo a alguém que precisa. Sobra-me então presentear os menos favorecidos.

Isso pode ser considerado um exemplo cabal da minha teoria sobre a vida moderna. Essa avalanche de estímulos de mídia para o consumo desenfreado. Tudo em nome do ... Do que mesmo? Para que isso tudo? Progresso? Capitalismo? Alguém, em sã consciência, acredita mesmo que as pessoas estão mais felizes, a medida em que os anos passam? Eu não tenho mais dúvida que não. Cada dia, cada mês e cada ano que passa eu sinto nitidamente aumentar a quantidade de pessoas ao meu redor desestabilizadas, confusas, perdidas em um redemoinho de pressão social e financeira, comprometendo e mesmo arruinando emocionalmente suas vidas. É uma queixa crescente e de difícil solução. O que aconselhar ? Como se briga com o mundo?
Lembro-me agora de uma frase de um psicólogo famoso, ouvida há muito tempo atrás, e que nunca me saiu da cabeça. "O mundo atual é um trem em alta velocidade e que aumenta cada vez mais. O que pouca gente percebeu é que este trem não tem maquinista...".
Cinquenta anos se passaram em minha vida e as dúvidas só aumentaram. Existem pessoas que acreditam que tudo se acaba aqui, ao menos para nossa compreensão limitada. Outras, que existe alguma coisa. Paraíso, céu, nirvana, reencarnação. Durante muito tempo eu vivi indiferente. Seja lá o que for, quando chegar o dia eu descubro. Na medida em que o tempo passou e a turma de lá começou a ficar interessante, uma tendência a se acreditar em uma continuação foi aumentando. Assim, o que eu encontro hoje para falar para essas pessoas perdidas e confusas neste trem em disparada é o seguinte. Quando você presenteia alguém com alguma coisa, o que você espera ? Que a pessoa aproveite bem aquele presente, que ele proporcione algum prazer, que lhe dê alguma felicidade, não é ? Nada mais natural. Pois bem, vamos supor que os crédulos tenham razão e algum dia, em alguma hora, você vai chegar na frente do cara que fez tudo isso aqui. Ele vai dizer : Olha, eu te dei uma vida. Um presente. Um corpo, cinco sentidos, saúde por longo tempo, te dei um mundo com ar, água, plantas, árvores, música, chance de correr, rir, amar, ensinar e aprender. O que você fez com isso ? Aproveitou bem ? Foi feliz ? Riu e amou bastante ?

Não passo um dia sequer sem pensar no que vou falar nessa hora.

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