VONTADE DE VOLTAR
Faz muito tempo desde que eu escrevi pela ultima vez aqui. Muita coisa aconteceu, o mundo mudou, melhorou, piorou. Senti vontade de escrever de novo, ainda embalado pelo pueril sentimento de que alguém, aqui ou no futuro, pudesse ter algum interesse em minhas ideias. Ainda que o fracasso seja total, voltei disposto a fazer nova tentativa. No mínimo vai me ajudar a reforçar alguns conceitos e elaborar melhor alguns outros. Uma espécie de autoterapia pela escrita. E vou reinaugurar essa experiência com uma história muito interessante. Uma fala de um filme que me marcou muito e, segundo eu li na internet, marcou também muita gente. Sylvester Stallone é um ator americano famoso por seus personagens Rocky e Rambo, provavelmente muitos conhecem. São personagens lendários no cinema e em nossas memórias. São filmes eminentemente de ação e tiveram várias sequências. Rocky foi até Rocky 5 e, na época, todos consideravam o tema lutas de boxe esgotado. Mas, em 2.006, ele surge com Rocky Balboa (nome do personagem) como título, na tentativa de explorar, mais que a luta em si, o tema da chegada da velhice.
O que, a princípio, parecia apenas uma maneira de Stallone arrecadar um pouco mais com seu célebre personagem, tornou-se um dos melhores filmes de toda a sua vida. E isso principalmente por uma fala, já no final do filme, onde ele se dirige ao filho, que o acusa de estar expondo a si mesmo e ao próprio filho ao ridículo ao tentar lutar naquela idade. Seria humilhado no ringue e ridicularizado por todos. A cena é antológica e a resposta de Rocky, escrita pelo próprio Stallone, ficou famosa.
“Você não vai acreditar nisso, mas você costumava caber bem aqui. (Rocky aponta para a palma de sua própria mão). Eu o segurava bem alto e dizia para sua mãe, ‘Este garoto será o melhor garoto do mundo. Este garoto um dia será alguém melhor do que qualquer pessoa que eu conheci na minha vida.’ E você cresceu maravilhosamente bem. Foi ótimo te acompanhar, cada dia era um privilégio. Então chegou a hora de você crescer e se tornar o dono de seu próprio nariz, de enfrentar o mundo, e você o fez. Mas em algum momento ao longo do caminho, você mudou. Você deixou de ser você mesmo. Você deixou que as pessoas colocassem o dedo na sua cara e dissessem que você não é bom o suficiente. E quando as coisas ficaram difíceis, você começou a procurar alguma coisa para culpar, como uma grande sombra. Deixe-me dizer algo para você que você já sabe: O mundo não é feito apenas de sol e arco-íris. É um lugar mau, sujo e desagradável, e, não importa o quão durão você seja, ele vai te bater até que esteja de joelhos e vai te manter assim para sempre se você permitir. Nem você, eu ou ninguém vai bater tão forte quanto a vida. Mas a questão não é o quão forte você bate, mas sim o quanto você aguenta apanhar e continuar lutando. O quanto você resiste e continua seguindo adiante. É assim que se vence uma luta! Se você sabe o seu valor, então vá à luta e conquiste o que é seu! Mas você precisa estar disposto a receber os golpes, e não ficar apontando dedos e dizendo que não está onde quer por causa dele, ou dela, ou de qualquer pessoa! Covardes fazem isso é você não é um deles! Você é melhor do que isso! Eu sempre o amarei, não importa o que aconteça. Você é meu filho e você é o meu sangue. Você é a melhor coisa da minha vida. Mas até que você comece a acreditar em si mesmo, você não terá uma vida.”
Queria ainda acrescentar uma experiência própria que cabe bem aqui. Quando eu mudei para minha atual casa, num condomínio maravilhoso, fiz um bom negócio porque a antiga proprietária não se adaptou em condomínios, tinha um monte de gatos e cachorros, difícil a convivência com maiores regras como aqui. O fato é que, apesar da casa ser linda, ficou vazia por um bom tempo. Nada catastrófico, conseguimos ajeitá-la em um piscar de olhos. Quando eu achei que estava tudo bem, percebi que havia um casal de pombinhos, tipo rolinhas, que se acostumaram a fazer seu ninho sobre os aparelhos de ar condicionado da casa. Começou então uma guerra silenciosa entre nós. Toda vez que eles iniciavam a construção de um novo ninho eu o desmanchava. É fato que existe a possibilidade de alguma doença transmitida por eles poder entrar pelo aparelho para dentro de casa, então era um caso de saúde pública e não pura maldade. Essa briga durou meses, com eles variando os aparelhos mas sem sucesso. Um belo dia eu estava passando a vassoura sobre sua mais recente obra quando um deles veio pousar no muro bem ao meu lado. Não sei diferenciar rolinha macho de fêmea, mas alguma coisa me disse que era a fêmea. Em se tratando de proteger seu ninho, aposto que era a fêmea. Nosso olhares se cruzaram nesse momento. Eu, algo embaraçado por estar naquela atividade criminosamente destrutiva, a encarei tentando mostrar que ela deveria desistir, porque eu fazia parte da gloriosa raça humana que já havia aniquilado quase todas as espécies que um dia a ameaçaram. E esperava dela um olhar de raiva surda e impotente, que me dissesse o quão degenerado e vil estava sendo meu comportamento naquela hora. Afinal, esse local era deles, eles chegaram ali muito antes. Um olhar de ódio, desprezo e revolta profunda. Mas recebi uma lição de vida. Foi mesmo uma espécie de tapa na cara. Seu olhar não tinha um pingo de raiva. Era um olhar sim incrédulo, como se ela não estivesse entendendo porque eu fazia aquilo gratuitamente, para que tanta maldade no coração. Mais incrível ainda, era também um olhar terno, como Jesus quando disse "Perdoa-os Senhor, ele não sabem o que fazem." E, por último, ainda consegui ver, naqueles poucos segundos, uma postura firme e decidida, dizendo-me que, independente de quantas vezes fossem necessárias, de quantas vezes eu repetisse aquela ignomínia, ela recomeçaria sua tarefa, nem que fosse até o fim dos dias.
A guerra terminou quando eu, a espécie dominante, coloquei bloqueios de isopor no teto dos aparelhos e eles não conseguiram mais apoiar seus gravetos naqueles locais. Claro que foram fazer o ninho em outras paragens e devem estar felizes com seus ovos. Mas a lição ficou. Contei essa experiência para minha nora e meu filho durante um período muito duro de suas vidas, onde tudo parecia conspirar para dar errado. Apesar de sermos a espécie dominante nesse planeta incrível, ainda somos insignificantes perante a força maior que nos comanda. Somos pequenas folhas ao sabor dos ventos, ridiculamente frágeis e vulneráveis. Patética e arrogantemente a maioria de nós se esquece ou nem acredita nisso e vive a vida como se fossem muito poderosos. A vida vai ficar mais fácil se agirmos como a pequena rolinha, olhar os obstáculos, por maiores que sejam, com serenidade e seguir em frente. Sempre. Apanhar, cair de joelhos, mas levantar e continuar na luta. Sem apontar dedos ou culpados. Porque, lá no final o crédito ainda será positivo. Afinal, a vida tem muita coisa boa e ainda é uma experiência que vale muito a pena.